Resumo: Este artigo apresenta uma análise técnico-científica aprofundada sobre a metodologia multidisciplinar de avaliação retroativa de bens móveis e imóveis, com base em um estudo de caso pericial envolvendo um complexo industrial de grandes proporções em Luziânia/GO. O trabalho demonstrado foi desenvolvido com base nas diretrizes da ABNT NBR 14653, ABNT NBR 13752 e demais normativas correlatas, e envolveu a atuação multidisciplinar de engenheiros civis, mecânicos e agrônomos, permitindo a composição de um diagnóstico técnico amplo, coeso e rigorosamente fundamentado, que culminou na resolução de um problema complexo, demandado judicialmente.
- Introdução
A perícia judicial envolvendo avaliação de diferentes tipos de bens em data pretérita constitui um campo de atuação crescente e desafiador para os profissionais da engenharia legal. Tais demandas exigem não apenas conhecimento técnico especializado, mas também, compreensão profunda da legislação, dos princípios normativos aplicáveis, das metodologias adequadas à realidade retroativa e a multidisciplinaridade na atuação. No presente trabalho, será detalhada a atuação pericial multidisciplinar em um processo judicial complexo, onde se exigia a avaliação de um parque industrial com área superior a 76 hectares contendo gleba rural, benfeitorias reprodutivas e não reprodutivas, mais de 46 mil m² de edificações, além de centenas de máquinas e equipamentos industriais, muitos dos quais estavam sem identificação ou fora de operação.
- Desenvolvimento:
2.1 Enquadramento Legal e Normativo: A avaliação foi conduzida nos moldes da ABNT NBR 14653 (partes 1 a 5), que define os procedimentos gerais, critérios específicos para imóveis urbanos e rurais, empreendimentos e bens industriais. Também foi observada a ABNT NBR 13752:1996 – ainda não atualizada à época –, que trata especificamente das perícias de engenharia na construção civil. A ABNT NBR 14653-1 define claramente que a data-base deve ser respeitada como referência temporal para todos os elementos da avaliação. O Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), no Art. º 473, § 2º, determina que o perito deve responder estritamente aos quesitos e não extrapolar os limites da sua designação, o que reforça a necessidade de uma abordagem objetiva e fundamentada.
2.2 Descrição do Objeto Avaliado: O imóvel avaliado localiza-se em Luziânia/GO. Possui área de 76,5 hectares, sendo 46.598,01 m² construídos, com benfeitorias não averbadas, constituindo um parque industrial anteriormente operado por empresa ligada a indústria alimentícia. As instalações contavam com galpões, centro de distribuição, laboratórios, refeitórios, unidades de tratamento de água e esgoto, além de grande variedade de máquinas e equipamentos industriais. No momento da vistoria, o parque fabril encontrava-se desativado, com diversos itens em estado avançado de deterioração. O complexo industrial também contava com gleba rural onde a fábrica estava instalada, juntamente a diversas benfeitorias ligadas ao meio rural.

2.3 Metodologia de Avaliação em data pretérita: A avaliação em data pretérita foi realizada com base em três pilares: pesquisa histórica de valores, retroprojeção com base em índices econômicos, e depreciação por metodologia consagrada conforme estado de conservação e idade. Para o imóvel rural, benfeitorias rurais e construções presentes no complexo industrial, foram utilizados métodos comparativos diretos e planilhas orçamentárias analíticas, com coleta de valores de imóveis similares, além da aplicação de regressões estatísticas com o uso do software Infer32 e SISDEA. Já para os bens móveis – máquinas e equipamentos do complexo fabril –, foram realizadas diligências junto a fornecedores e consulta a catálogos técnicos antigos. Ainda, nos casos em que não foi possível cotar o valor de mercado para alguns bens móveis através de pesquisa de mercado feita diretamente com os fabricantes, o reajuste no valor dos bens foi feito através da dolarização que é um método utilizado para ajustar o valor de um bem através do tempo, tendo em vista que diversas máquinas e equipamentos eram importados e, considerando que este valor irá acompanhar os efeitos de valorização e desvalorização do dólar durante o mesmo período até o presente momento. Para se chegar até valores atuais dos bens foram utilizados como base os valores e datas expressos nas Notas Fiscais fornecidas durante o processo.

2.4 Aplicação da Depreciação: A depreciação dos bens imóveis foi baseada nas tabelas Ross-Heideck, que consideram o estado de conservação (de A a I) e a idade percentual do bem em relação à sua vida útil teórica. Esse processo foi particularmente importante para a avaliação dos galpões, áreas técnicas e demais edificações industriais, cujas estruturas apresentavam fissuras, desplacamentos, corrosões, infiltrações e outras patologias visíveis. No caso do imóvel rural, especificamente para a pastagem existente na área, foi aplicada a tabela de Savietto 1997, adaptada por Rossi em 2005. No caso dos bens móveis, utilizou-se metodologia específica da NBR 14653-5, que contempla fatores de depreciação física, tecnológica e funcional.
2.5 Atuação da Equipe Multidisciplinar: A sinergia entre as áreas técnicas garantiu a consistência do laudo apresentado. Os dados coletados por cada especialista foram validados entre si, assegurando coerência entre a avaliação imobiliária, a patrimonial e a industrial. Essa integração permitiu apresentar um laudo robusto, amparado em evidências técnicas e normas regulatórias, apto a subsidiar com segurança a decisão judicial. O engenheiro civil foi responsável pelas análises de benfeitorias, edificações e infraestrutura geral. O engenheiro agrônomo atuou na análise do uso do solo da gleba onde se encontrava o complexo industrial, analisando variáveis mercadológicas, além de realizar cálculos de benfeitorias reprodutivas e não reprodutivas dos dados de mercado, em especial, do imóvel avaliando, e por fim, realizou as verificações acerca da reserva legal, áreas de preservação permanente e demais adequações à legislação ambiental. O engenheiro mecânico contribuiu com a avaliação técnica dos equipamentos industriais. Essa atuação em sinergia foi fundamental para assegurar a exatidão dos resultados apresentados, como prevê a ABNT NBR 14653-1 no item 5.1: ‘assessorar-se de especialistas quando necessário’.
2.6 Análise de Valor de Locação: Além do valor de mercado, também foi requerida a avaliação do potencial da locação dos bens móveis e imóveis. Para isso, utilizou-se o método da renda, com base no princípio da rentabilidade conforme ABNT NBR 14653-1 ao item 0.2, alínea “e”. Foram coletados dados de mercado sobre locações industriais na região de Luziânia e cidades vizinhas. A taxa de capitalização foi definida conforme práticas do mercado local à época da data-base, sendo aplicada à receita líquida estimada do imóvel. Os bens móveis foram avaliados segundo seu valor locativo residual, considerando o uso residual possível e a necessidade de adaptações.
2.7 Limitações e Ressalvas Técnicas: Por se tratar de bens industriais desativados, foi impossível realizar testes de funcionalidade nos equipamentos, conforme deliberado entre os assistentes técnicos de ambas as partes e registrado no laudo. Diversos itens estavam sem identificação, com peças faltantes ou deterioradas. Algumas áreas não constavam nos projetos originais e foram verificadas apenas por inspeção direta. Todas essas limitações foram descritas no laudo, seguindo o princípio da transparência e fundamentando as decisões periciais nos limites técnicos e na boa-fé processual.
- Conclusão
A avaliação em data pretérita de bens móveis e imóveis é um exercício de engenharia que transcende a simples apuração de valores. Ela exige comprometimento ético, embasamento normativo, capacidade de interpretação histórica e, sobretudo, uma postura técnica fundamentada e colaborativa. O estudo de caso apresentado revela a importância da metodologia, da documentação técnica e da atuação multidisciplinar em processos complexos. Perícias técnicas de grande complexidade como essa, exigem abordagem multidisciplinar como condição de qualidade e confiabilidade, assegurando o melhor resultado possível. A atuação conjunta de engenheiros com formações complementares proporciona uma análise sistêmica, enriquecida pela visão específica de cada área. Recomenda-se, portanto, que os profissionais da engenharia ampliem suas conexões com outras áreas técnicas sempre que confrontados com objetos periciais multidimensionais, como forma de aprimorar os resultados entregues à Justiça, e todos àqueles a quem o trabalho se destinar.
Referências
ABNT. NBR 13752:1996 – Perícias de Engenharia na Construção Civil.
ABNT. NBR 14653 – Partes 1, 2, 3, 4 e 5 – Avaliação de Bens.
BRASIL. Código de Processo Civil: Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Brasília, DF: Presidência da República, 2015.
SAVIETTO, S.; ROSSI, A. Tabela de depreciação de pastagens: Savietto 1997, adaptada por Rossi 2005. [S.l.: s.n.], 2005.
Laudo Pericial – Processo nº 6051179-34.2015.8.13.0024.
Autor: André Valadão Caldeira;
Engenheiro Civil: CREA/MG: 177.090/D, Nova Lima, MG;
E-mail: andre@agvconsulting.com.br
Autor: Gustavo Pires Valadão;
Engenheiro de Produção Civil: CREA/MG: 135.837/D, Nova Lima, MG;
Autor: Wendel Bueno da Silva;
Engenheiro Agrônomo: CREA/MG: 140.141/D, Nova Resende, MG.
Palavras-chave: Avaliação retroativa; Perícia judicial; Engenharia multidisciplinar; Bens móveis e imóveis; NBR 14653; Casos Complexos.

